Sempre fui avesso a homenagens a personalidades, celebridades, etc. Até porque obviamente, como seres humanos, não somos perfeitos e damos nossas derrapadas na vida aqui e acolá. Assim também aconteceu com o jogador e médico Sócrates, que faleceu esta madrugada. Embora tenha tido inúmeros erros e vícios seria inadmissível não homenagear um ser que deixa um legado incontestável para as futuras gerações.
Em uma época em que as entrevistas coletivas de jogadores e técnicos de futebol parecem a mesma coisa repetitiva e chata, de atitudes no mínimo suspeitas de jogadores e ex-jogadores que aliam-se a entidades e pessoas agindo em interesse próprio, Sócrates, em seu tempo, ao contrário, destacava-se pela inteligência e análise crítica sobre o mundo no qual vivia. Não escondia suas posições políticas para agradar fulano, beltrano ou para ganhar destaque com a mídia. Sócrates falava o que sentia, de forma muito lúcida e abalizada sem preocupar-se com o chatíssimo “politicamente correto” que insiste em querer moldar as nossas ações e pensamentos.
Devido a essa postura, Sócrates conseguiu ganhar respeito dentro e fora de campo. Quando não concordavam com ele nas quatro linhas (por não torcerem pelo time que jogava) ao menos estavam ao seu lado quando genialmente o “doutor” soltava o verbo criticando a política de nosso país. Com ele não tinha o “em cima do muro”. Ele incitava o debate, coisa rara de se ver em nossos jogadores nos dias atuais.
No início da década de 80, nosso “doutor” conseguiu se eternizar de vez dentro e fora de campo: em campo com a inesquecível seleção de 1982, em uma Copa (realizada na Espanha) que não conquistamos – repito o que dizem alguns jornalistas: “azar da Copa!”; e fora das quatro linhas, enquanto muitos políticos falavam em democracia em um país controlado pela ditadura, utilizando-se de fisiologismos e falácias, Sócrates contribuiu para que, pelo menos em seu meio de trabalho, a democracia tão propalada fosse posta em prática. Surgia assim o período denominado de “democracia corinthiana”.
Jogador, médico, crítico político e destemido. Difícil encontrar um atleta que reúna tamanhas qualidades. Por isso Sócrates é raridade. Por isso ficará eternizado na memória. Posso dizer que tive a honra de vê-lo jogar nos meus dois clubes de coração: Flamengo e Corinthians.
Encerro afirmando que hoje, na última e decisiva rodada do campeonato brasileiro, não será apenas o meu “timão” que jogará desfalcado de Sócrates. Mas o Brasil sentirá a perda desse jogador e, acima de tudo, de um cidadão que fez jus ao nome e sobrenome: SÓCRATES BRASILEIRO.
Descanse em paz!
Descanse em paz!
OBS: Algumas frases do "Magrão":
“Deus não tem idade. O Corinthians é muito maior que a idade que possa ter; é um símbolo, uma essência, um sentimento. É claro que o centenário tem um valor simbólico e as pessoas se reúnem em torno desse símbolo. Mas isso é secundário à importância que tem alguma coisa capaz de agregar tanta gente de origens absolutamente distintas”
Sobre o centenário do Corinthians, à Carta Capital, em setembro de 2010
Sobre o centenário do Corinthians, à Carta Capital, em setembro de 2010
“Sempre lutei pelo voto direto e continuo a acreditar ser esse o melhor meio de avaliação democrática. Com ele respeita-se a alternância de poder, tão necessária, principalmente naqueles tempos de ditadura militar”
Sobre democracia e o voto direto, à "Carta Capital", em 2010
Sobre democracia e o voto direto, à "Carta Capital", em 2010
“Antes, falavam que as meninas cozinhavam como as mães, agora que bebem como os pais”
Sobre álcool na sociedade, ao iG, agosto de 2011
Sobre álcool na sociedade, ao iG, agosto de 2011
A gestão da Copa do Mundo está nas mãos de quem não tem muito compromisso com a nação”
Sobre o Mundial no Brasil, em junho de 2010, ao Estadão
Sobre o Mundial no Brasil, em junho de 2010, ao Estadão
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